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Educação financeira para crianças: precisamos falar mais sobre isso

Educação financeira para crianças: precisamos falar mais sobre isso

A educação dos filhos começa dentro do lar. E quando o assunto é a “educação financeira”, não deve ser diferente. Apesar da importância do tema, ainda são poucas as famílias que conversam abertamente sobre finanças com os pequenos. Para que as crianças conheçam o valor do dinheiro, é preciso orientá-las, mostrando como iniciar uma vida financeira organizada.  

Uma boa forma de fazer isso, é dar exemplos bem sucedidos sobre o hábito de poupar. Porém, muitas famílias brasileiras ainda seguem em um processo financeiro de difícil trato, driblando as contas para esticar o salário até o final do mês.

Para se ter uma ideia da extensão do problema, o índice de endividamento das famílias ainda é bastante alto no Brasil, chegando a 79,3%, segundo levantamento divulgado em outubro de 2022, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A pesquisa apontou que 80,3% das famílias com renda de até dez salários mínimos estão endividadas, o maior patamar já registrado na série histórica, que teve início em 2010. 

Já entre as famílias com renda superior a dez salários mínimos, o endividamento se manteve em patamar estável, atingindo 75,9% desse público.

Se os dados mostram os percalços decorrentes da ausência da educação financeira, o que esperar das crianças que, em breve, chegarão à fase adulta prontas para repetir o comportamento que receberam como exemplo?

Então, quando iniciar a educação financeira infantil? Como dar o primeiro passo para ajudar os filhos a desenvolverem uma boa relação com o dinheiro?

Chegou a hora de saber!

“Dinheiro é coisa de adulto”

De acordo com o especialista em educação financeira, Gustavo Cerbasi, a frase acima não poderia estar mais equivocada. 

“A educação financeira infantil é a base para criarmos filhos mais conscientes e evitar que, no futuro, eles desenvolvam uma ansiedade que os leve à indisciplina e a más escolhas financeiras”, explica.

Para ele, existem algumas estratégias que ajudam nesse processo, conforme indica a expressão “liderar pelo exemplo”, que, segundo o especialista, deveria ser a premissa dessa educação. 

“Não adianta nada ter um discurso eficiente sobre o bom uso do dinheiro se você não tem controle sobre seus gastos. Suas atitudes influenciam mais do que seus discursos. Por isso, dar o bom exemplo é fundamental. E isso deve começar o quanto antes”, aponta.

De acordo com Cerbasi, quando os pais optam por “blindar” os filhos do assunto dinheiro, estão, na verdade, retirando algo que já faz parte da vida deles.

“A consequência deste ato é a criação de um futuro adulto indisciplinado com os gastos, como é o caso da maioria das pessoas no Brasil”, adverte.

O educador recomenda que, ao invés de censurar, os pais devem usar a imaginação para abordar o tema. 

“Faça brincadeiras, seja criativo, eduque. Isso será fundamental para criar futuros adultos mais conscientes de suas escolhas”, indica.

Coloque a criança em contato com o dinheiro

Mas, qual o melhor caminho para fazer isso? Cerbasi observa que dar às crianças a oportunidade de manusear notas e moedas pode ser um facilitador para a criação da percepção da lógica que envolve sua troca por um bem ou serviço.

“Outra tática é incentivá-las a ter o cofrinho e separar as moedas por grupos, o que também ajuda a desenvolver noções básicas de matemática”, destaca. 

E quando é o melhor momento para começar? 

Para o especialista, por volta dos 6 anos, é o momento em que vale a pena intensificar a aproximação com o dinheiro, com a concessão de uma pequena mesada. 

“Isso poderá ajudá-la a desenvolver a noção dos pequenos gastos, do funcionamento do orçamento doméstico e do bom planejamento financeiro”, comenta. 

Além disso, de acordo com ele, nessa mecânica é possível ensinar a importância de poupar e acumular. 

“Esta é a base da inteligência financeira: a de que pequenos sacrifícios valem a pena quando envolvem grandes recompensas. Se, por exemplo, a mesada do seu filho for de R$ 20,00, você pode incentivá-lo a guardar metade disso para comprar um brinquedo mais caro”, explica. 

Problemas financeiros devem ser resolvidos na educação base, não no nível superior

Para o especialista em finanças, Edgar Abreu, o grande erro é deixar para pensar em finanças somente na vida adulta.

“Os problemas de educação financeira devem ser corrigidos na base, pois se trata de um problema estrutural e não de nível superior”, ressalta. 

De acordo com ele, em qualquer profissão, o assunto “dinheiro” estará lá. “Um profissional que acaba de se formar, terá de pensar em como irá aplicar seus conhecimentos técnicos, sejam eles quais forem, mas acaba fazendo isso com base zero de finanças, na maioria das vezes”, aponta. 

Dinheiro na infância: vamos falar sobre isso?

Já sabemos que o objetivo da educação financeira é preparar a criança para o seu futuro financeiro. 

Dessa forma, Edgar aponta que a melhor idade para iniciar uma abordagem é aquela na qual a criança já possui uma noção de quantificação, por volta dos 5 ou 6 anos. 

“Muitas famílias entendem que o ato de dar mesada é o mesmo que educar financeiramente, mas a forma como a mesada está estruturada hoje acaba funcionando mais como ‘deseducação financeira’, uma vez que ela cria um ambiente que não se repete na vida adulta”, comenta.

Para ele, a ideia da mesada deveria ser o equivalente a um investimento que se guarda hoje, para consumir no futuro.

“No entanto, o adulto está criando a criança em um tipo ambiente que não será reproduzido, já que no mundo do trabalho para receber algo, é preciso dar algo em troca. Ou seja: oferecer a mão de obra pela remuneração”, pontua. 

É o fim da mesada, então? 

Edgar diz que não. Ao contrário, a mesada é um mecanismo que funciona muito bem para educação financeira, desde que seja adequado para este fim. 

E como fazer isso? O especialista orienta transformar o conceito de mesada no que ele chama de “despesada”, que tem o objetivo de tornar a relação entre o crédito e débito mais transparente. 

“Não existe na vida adulta um cenário em que haverá 100% de crédito. Tudo vem acompanhado de um débito. Não importa o valor que se receba”, argumenta. 

Colocando a “despesada” em prática 

Edgar Abreu, que é pai de filhos gêmeos, conta como colocou a tal “despesada” em prática em casa, assim que seus filhos adquiriram a capacidade de aprender. 

“Vale ressaltar que o primeiro passo foi a construção do conceito sobre o que é dinheiro, para que ele serve e porque se deve poupar para o consumo no futuro”, reforça o especialista.

O segundo passo foi a colocação do conceito em prática, conforme ele explica. “Iniciei o processo identificando uma necessidade de consumo supérfluo que eles possuíam naquele momento. No caso, foi o aluguel de filmes e download de aplicativos, despesas que giravam em torno de R$ 40,00 para cada um. A partir disso, estabeleci o montante de R$ 100,00 para a mesada”, conta. 

Na sequência, o especialista avisou a seus filhos que, em conjunto com a aguardada mesada, seria entregue também a responsabilidade de pagamento da fatura de consumo dos filmes e aplicativos. 

“Se as despesas eram de R$ 40,00, era esperado, portanto, que cada um poupasse R$ 60,00 por mês, somando ao final do ano R$ 720,00. Mas, o objetivo final dessa experiência não era quantificar quanto sobraria ou faltaria no fechamento do período, mas sim, identificar como seria feita a gestão desses valores”, comenta Abreu.

E o que aconteceu com a despesada?

Edgar explica que no final do primeiro mês de experiência, o total de consumo dos filhos foi igual a zero. “Eles sentiram uma felicidade momentânea por terem guardado um dinheiro maior. Só depois de um tempo é que a coisa começou a andar”, conta. 

Ao final de um ano, o saldo final dessa primeira lição revelou que dos R$ 720,00 esperados para a poupança, um dos filhos acumulou R$ 900,00, já o outro, um pouco menos de R$ 500,00. 

Mas, você pode estar pensando porque houve essa diferença de saldo entre os gêmeos, uma vez que eles foram expostos às mesmas condições, receberam a mesma educação e valores para administrarem.  

Abreu explica: “A maior lição aqui é entender que o sucesso de qualquer modelo depende da própria criança, que, sim, é fruto da educação e dos exemplos recebidos. Mas, acima de tudo, é o resultado de seu comportamento em si”. 

Ele continua: “A propensão a poupar conta com um ‘beta’ individual, que reside dentro de cada ser, e isso deve ser respeitado. Dificilmente, se transforma um ‘grande consumista’ em um ‘grande poupador’. O que pode acontecer é transformar um ‘grande consumista’ em um ‘poupador’ e incentivá-lo a reduzir o consumo”, explica. 

Para ele, a grande questão não é obrigar ninguém a nada, mas sim, mostrar as vantagens e desvantagens, tanto de poupar, como não poupar. 

Juros que rendem mais que dinheiro

O especialista indica ainda uma próxima etapa da experiência, que está relacionada ao incentivo a poupar: a bonificação por juros. 

“Os juros indicam que quem guardar mais receberá uma remuneração. Isso aumenta a propensão a poupar. E, para isso, pode ser estabelecida uma meta, que assim que atingida, recebe um bônus”, recomenda.

Resumindo: é simples…

Abreu esclarece que educar financeiramente as crianças é mais simples que corrigir erros cometidos inadvertidamente pelos adultos.

“O primeiro passo é explicar o que é dinheiro, o segundo é introduzir uma mesada em conjunto com uma ‘despesada’ e analisar, por pelo menos um ano, o comportamento da criança diante desse desafio”, esclarece. 

O importante, segundo ele, é criar um ambiente propício que possa incentivá-los a tomarem decisões financeiras. 

Já o terceiro e último passo é o que ele considera como “ápice” do aprendizado, que seria a abordagem do conceito de “investimento”. 

“Para uma criança de 8 a 10 anos é perfeitamente possível falar sobre bolsa de valores, desde que sejam usados os argumentos e analogias corretos, que façam sentido para ela. Os games de hoje funcionam como boas deixas, já que muitos incentivam o consumo de novos itens dentro das próprias plataformas. Já existe, portanto, um comércio dentro do universo dessas crianças”, destaca. 

Então, para educar as crianças sobre dinheiro sobre finanças é só começar? 

Para Abreu, a resposta é sim. “A educação financeira é muito mais simples do que se imagina, mas que é capaz de gerar resultados incríveis”, finaliza.

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